Hora feliz

"Malditas horas de happy hour!", bradou aquele senhor ali, sentado no banco da praça. Há 1 minuto atrás ele estava quieto, agora ele está psicótico. Nunca ninguém reclamou das "horas felizes", aquelas que começam no fim do expediente, às vezes em alguns dias da semana, mas que não podem faltar às sextas-feiras. O que tem de ruim? O que tem de maldito? Aquele senhor estava visivelmente alterado, drogado, ou sei lá o que se passava naquele cérebro velho. Os meus pensamentos nunca foram tão altos, então o cara me fita lá de longe, dando até pra ver o brilho de ódio em seus olhos. Caminha em minha direção até parar na minha frente. Estou sentado, mas qualquer coisa já tenho preparado meu gancho de direita. Ele estende a mão e eu subitamente redesenho meu punho para apertá-la, sem pensar muito:

— Prazer, meu nome é "Barba", me chamam assim por aqui.

Realmente ele tinha uma barba imunda e enorme, por pouco não abrem uma taberna ao seu lado. Vi que usava um terno de linho, gasto, um pouco encardido nas pontas, mas procurei não ficar analisando a sua indumentária, me concentrando apenas nos seus olhos saltados e cheios de veias.


— Olhe ao seu redor, você não acha isso um pouco ridículo?

— Hm.

A praça era rodeada por bares, pequenos e grandes, cheios de pessoas dentro, comendo, bebendo e rindo. Engravatados relaxados, tomando cerveja em copos pint. Era uma sexta, 7 e pouca da noite e ele não parava de falar:

— Porra cara, gostei de tu, mas não sou viado não. Deixa eu te contar uma coisa.

Eu estava ali, sozinho, com meu copo quase vazio na mão, indiferente e alheio às amizades naquele momento. Eu só queria tomar uma e ir pra casa, já que estava um calor infernal.


— Veja bem, eu não tenho nada contra ninguém, mas criamos um modelo de fuga e todo mundo fala disso como se fosse a melhor coisa do mundo. O que é happy hour, cara? É aquele momento em que você está menos fodido, senta em qualquer bar e comemora com seus amigos a sua estupidez. Você é um filho da puta que trabalha 8h por dia, chega em casa tarde, toma um banho, janta, se tiver filhos dá um pouco de atenção a eles e depois tem que dormir pra acordar cedo no outro dia e começar tudo de novo. Sinceramente eu odiava o bordão que ficou famoso no meio corporativo: eu pegava o elevador, alguém falava: "Caramba, peguei um trânsito do caralho, cheguei cansadão". Aí outro retrucava: "mas hoje é sexta!". Você sabe o que isso quer dizer? Você trabalha a semana toda que nem um corno e só usufrui da vida 2 dias e meio por semana. Quando eu tinha aquela maldita rede social, eu odiava dois dias: a sexta e o domingo. Sexta era dia de todo mundo enfiar fotos de "chopes com amigos" nos meus olhos e domingo era dia de gente reclamando dizendo que estava chateado por estar assistindo Faustão. Fodam-se.


Minha cerveja tinha acabado, mas como o cara não parava de falar e eu estava curtindo aquele monólogo, então continuei prestando atenção:


— Sabe o que eu acho? Eu acho que precisamos aproveitar mais nossas vidas. Depois que você morre, meu amigo, babau. Se você trabalha em um emprego legal, aproveite as horas do seu emprego. Quando acabar o expediente, faça alguma coisa para acalmar a mente, sei lá, escolha uma coisa. Se você está em um trabalho de merda, saia e procure outro. Não adianta ficar reclamando e continuar na zona de conforto. Você já viu como o tempo está passando rápido? Praticamente todo mundo fica esperando o final de semana para extravasar, transar, beber, viajar...e fica tudo embolado. Assim os dias passam e você não vê. Eu já estou velho, cara, mas repito: tente aproveitar seu tempo de vida, mesmo trabalhando quase todos os dias. É claro que problemas sempre aparecem e você pode não se sentir bem em algum tempo, mas isso não quer dizer que você tem que deixar tudo para os fins de semana. Daqui a pouco você estará caquético e aproveitou o quê? Nada.


Seus olhos agora descansam, pois o ódio saiu com as palavras. Ele levanta, me cumprimeta e sai. Eu fico olhando ele se distanciando, com seu terno de linho, gasto, um pouco encardido nas pontas, sumindo na multidão, enquanto meu copo permanece vazio.



Olho para cima e observo as estrelas...esqueci como são bonitas.






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Comentários

  1. Engraçado como esse mesmo assunto gerou o texto que mais gostei de escrever até hoje: http://umretratobonito.blogspot.com.br/2011/05/one-more-soldier-down.html

    E acho que eu o seu melhor também. Até agora.

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  2. Brigadão! <3 vou ler o seu também, claro.

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