quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Neverland

Ainda tem gente dormindo. Na verdade, milhões de pessoas, pelo menos aqui no Brasil. A classe que pensa sobre algum assunto ainda é bastante pequena em relação ao contingente populacional desse país. Sinto dizer que continuará assim.

Não sou só eu: em termos gerais todo brasileiro quer ver políticos atrás das grades, mas eles são apenas nosso reflexo, esse círculo vicioso que carregamos em nosso sangue. Queremos que as coisas mudem, mas que continuem as mesmas.


Saí do trabalho, atravessei a rua e em poucos minutos veio o lindo e único ônibus que passa perto de onde moro. Entrei, paguei a passagem, passei pela roleta e caminhei até o fundo do coletivo. Uma colega minha tinha acabado de sentar em uma cadeira lá do final, aquela que fica bem no meio do corredor. Quase todos os assentos estavam lotados, salvo um banco alto de dois lugares, logo vendo o porquê: faltava o assento do banco ao lado do corredor...e esse estava jogado no chão. Não importa quem jogou ou se ele se desprendeu e caiu sozinho, o fato é que em volta dele haviam no mínimo 10 pessoas ali, contando com minha colega de trabalho, ninguém movendo um puto para pegar o assento e colocá-lo no devido lugar. Quando cheguei no final do corredor, olhei para o assento no chão, olhei para minha colega e dei uma risadinha. Coloquei minha mochila no banco do canto, catei o assento e o recoloquei. Senti que algumas pessoas me olhavam de rabo de olho para ver o que eu estava fazendo, como se aquilo "não fosse minha obrigação" ou "quem jogou no chão que coloque", mas eu acho que isso deveria ser quase que uma regra, um sistema de colaboração. A Inércia da massa é uma merda pesada, é aquela mesma inércia que acontece quando algum ambiente está cheio de gente, tem uma pessoa falando altíssimo ao telefone e ninguém tem a reação de reclamar, mesmo todos se sentindo incomodados com tal fato. Isso está em nosso DNA, aquele gene de apanhar e ficar calado.


Outro dia eu estava almoçando com 3 colegas de trabalho. No local, havia uma tv grande e na hora estava passando um jornal que agora não lembro o nome. Apareceu uma notícia tão escrota que senti até vergonha, mas um pessoal que estava em outra mesa se cagavam de rir...aí eu falei para os que estavam comigo: "enquanto nós ficarmos rindo desse tipo de problema, essa merda aqui não vai mudar". Enquanto a população estiver rindo dentro de coletivos lotados, metrôs desesperados, vai estar tudo maravilhoso. Já perdi a conta dos inúmeros transportes extremamente cheios que peguei, tendo pessoas achando aquela situação extremamente gozada, quando na verdade deveriam é ficar putos e reclamar. Tudo é motivo de piada, tudo é motivo de brincadeira, um dos motivos de não sermos levados à sério. 

Queremos ver políticos presos e a corrupção em 0%, mas queremos continuar subornando algum fiscal para deixar em paz nosso pneu careca, nossa loja irregular ou nossa luz com gato. Aí sim, tudo estará em tranquilo.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Reflexão

Tem coisas que são muito "blá blá blá" para pouco "whiskas sachê". Um prazo de 2 semanas se transforma em 2 meses por causa de mal planejamento e pessoas idiotas se fazendo de profissionais.

Hora feliz

"Malditas horas de happy hour!", bradou aquele senhor ali, sentado no banco da praça. Há 1 minuto atrás ele estava quieto, agora ele está psicótico. Nunca ninguém reclamou das "horas felizes", aquelas que começam no fim do expediente, às vezes em alguns dias da semana, mas que não podem faltar às sextas-feiras. O que tem de ruim? O que tem de maldito? Aquele senhor estava visivelmente alterado, drogado, ou sei lá o que se passava naquele cérebro velho. Os meus pensamentos nunca foram tão altos, então o cara me fita lá de longe, dando até pra ver o brilho de ódio em seus olhos. Caminha em minha direção até parar na minha frente. Estou sentado, mas qualquer coisa já tenho preparado meu gancho de direita. Ele estende a mão e eu subitamente redesenho meu punho para apertá-la, sem pensar muito:

— Prazer, meu nome é "Barba", me chamam assim por aqui.

Realmente ele tinha uma barba imunda e enorme, por pouco não abrem uma taberna ao seu lado. Vi que usava um terno de linho, gasto, um pouco encardido nas pontas, mas procurei não ficar analisando a sua indumentária, me concentrando apenas nos seus olhos saltados e cheios de veias.


— Olhe ao seu redor, você não acha isso um pouco ridículo?

— Hm.

A praça era rodeada por bares, pequenos e grandes, cheios de pessoas dentro, comendo, bebendo e rindo. Engravatados relaxados, tomando cerveja em copos pint. Era uma sexta, 7 e pouca da noite e ele não parava de falar:

— Porra cara, gostei de tu, mas não sou viado não. Deixa eu te contar uma coisa.

Eu estava ali, sozinho, com meu copo quase vazio na mão, indiferente e alheio às amizades naquele momento. Eu só queria tomar uma e ir pra casa, já que estava um calor infernal.


— Veja bem, eu não tenho nada contra ninguém, mas criamos um modelo de fuga e todo mundo fala disso como se fosse a melhor coisa do mundo. O que é happy hour, cara? É aquele momento em que você está menos fodido, senta em qualquer bar e comemora com seus amigos a sua estupidez. Você é um filho da puta que trabalha 8h por dia, chega em casa tarde, toma um banho, janta, se tiver filhos dá um pouco de atenção a eles e depois tem que dormir pra acordar cedo no outro dia e começar tudo de novo. Sinceramente eu odiava o bordão que ficou famoso no meio corporativo: eu pegava o elevador, alguém falava: "Caramba, peguei um trânsito do caralho, cheguei cansadão". Aí outro retrucava: "mas hoje é sexta!". Você sabe o que isso quer dizer? Você trabalha a semana toda que nem um corno e só usufrui da vida 2 dias e meio por semana. Quando eu tinha aquela maldita rede social, eu odiava dois dias: a sexta e o domingo. Sexta era dia de todo mundo enfiar fotos de "chopes com amigos" nos meus olhos e domingo era dia de gente reclamando dizendo que estava chateado por estar assistindo Faustão. Fodam-se.


Minha cerveja tinha acabado, mas como o cara não parava de falar e eu estava curtindo aquele monólogo, então continuei prestando atenção:


— Sabe o que eu acho? Eu acho que precisamos aproveitar mais nossas vidas. Depois que você morre, meu amigo, babau. Se você trabalha em um emprego legal, aproveite as horas do seu emprego. Quando acabar o expediente, faça alguma coisa para acalmar a mente, sei lá, escolha uma coisa. Se você está em um trabalho de merda, saia e procure outro. Não adianta ficar reclamando e continuar na zona de conforto. Você já viu como o tempo está passando rápido? Praticamente todo mundo fica esperando o final de semana para extravasar, transar, beber, viajar...e fica tudo embolado. Assim os dias passam e você não vê. Eu já estou velho, cara, mas repito: tente aproveitar seu tempo de vida, mesmo trabalhando quase todos os dias. É claro que problemas sempre aparecem e você pode não se sentir bem em algum tempo, mas isso não quer dizer que você tem que deixar tudo para os fins de semana. Daqui a pouco você estará caquético e aproveitou o quê? Nada.


Seus olhos agora descansam, pois o ódio saiu com as palavras. Ele levanta, me cumprimeta e sai. Eu fico olhando ele se distanciando, com seu terno de linho, gasto, um pouco encardido nas pontas, sumindo na multidão, enquanto meu copo permanece vazio.



Olho para cima e observo as estrelas...esqueci como são bonitas.






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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Instabilidade à flor da pele

Por favor, fique quieto. Faça-me o favor de ficar quieto e fechar essa sua boca que já tem doutorado em defecar. Se não tem nada para falar, tente se esforçar para ouvir o silêncio da sala, mas não me encha o saco.

Não fale comigo quando eu estiver com fones de ouvido. Se estou com fones de ouvido é porque devo estar ouvindo qualquer tipo de música que é bem melhor do que burburinhos urbanos.

Se o ônibus está 90% vazio, porque você tem que sentar justamente ao meu lado, com esse rabo gordo ocupando o meu espaço e impossibilitando de eu mexer as mãos e sentar-me como um ser humano comum?

Não me abrace como se eu fosse seu "amigo do mês", como também não quero que me cutuque.

Sim, meu corpo é diferente do seu, nem por isso estou criticando o seu bigode ridículo, esse mesmo bigode dizendo que tem algo errado comigo.

Olha como eu te quero bem: o trabalho que você tem de ficar quieto, só falando nas horas certas, diminui o ressecamento e retarda envelhecimento das suas cordas vocais.



Enquanto você fala, eu escuto.

Aí, você sorri...

...quando está em uma fila dentro de uma agência bancária e uma pessoa conversa gargalhando em alto e bom som ao celular;


...quando vê um bando de homens falando baixarias para um mulher que passa na frente deles, porque isso é uma coisa do senso comum. Se você é homem e não faz, você é viado;



...quando tem que acordar cedo no dia seguinte, mas não consegue dormir, pois tem um vizinho fazendo barulho ou tem algum evento sem alvará acontecendo na frente da sua casa.




Em várias outras situações, você sorri. Um sorriso duro, um sorriso botóx, uma máscara. Pelo bem da sociedade, você não pode deixar essa máscara cair, senão suas chances de agredir a fictícia paz que caminha em nossos ombros poderia sucumbir e alcançar níveis estratosféricos de ultraviolência, sem precisar beber leite para isso. O que importa em um indivíduo é "o que estou fazendo aqui, agora", dando de ombros o que o cerca, quando o direito dele termina para começo o do outro.




Você sorri.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O outro lado

Ministrava aulas de fotografia. Com todo amor, explicava aos seus alunos todos os conceitos, do básico ao avançado.

— Senhores, durante essa semana a lua aparecerá no céu com um tamanho e beleza exuberante, sendo esse nosso tema na próxima aula. Por favor, fotografem essa nossa musa inspiradora, com a aparelhagem que vocês têm, para que eu possa avaliar o desempenho de cada um.

Enfim, tarefa dada. Lá se foram os alunos, de várias idades e vícios, esperar a vinda da Lua cheia. Na semana seguinte, os alunos entregaram as fotos: algumas com resultados belíssimos, outras nem tanto. Até que um aluno chama o professor e fala, desanimado:

— Professor, eu passei a semana toda indo a vários lugares, tirei várias fotos da lua e em todas as fotos ela aparece do mesmo jeito, na mesma posição!

Pausa. O professor olha para o aluno e retruca:

— Vou ficar te olhando até que você me entenda.

Não, não entendeu:

— Rapaz, você já ouviu falar no álbum "Dark Side of the Moon"?

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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O regresso

Sou o filho, tão feio quanto o primeiro, que volta à casa para escrever. Já algum tempo vi que precisava, pois às vezes não queremos falar nada com ninguém, apenas com nós mesmos. Às vezes prefiro só escrever.

Isso me fez lembrar de uma história contada em uma edição da revista "Hellblazer", onde o personagem principal era um escritor falido que vende sua alma a um demônio escroto, para ter uma fábrica de idéias e ser um best-seller. Acontece que o demônio sacaneia o infeliz e o faz ter turbilhões de pensamentos, os quais ele não aguenta guardar para si só, saindo pelas ruas bradando sua loucura.


Assim eu volto, na esquina da antiga ruela, com as reclamações de boteco coçando na lingua.